quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

pássaros

à gente que voa,






Faz frio lá fora. Cá dentro uma chávena de chá aquece os dedos que batem no computador.
O olhar atento distrai-se, desvia-se para as bicadas na janela, de salto em salto no parapeito.
Diz quem sabe que se aproxima a Primavera de cá. Uma Primavera que não se enche de flores, uma estação escondida entre o frio e a areia.
 






 
Voam estes, voltam outros.
Bicadas e mais bicadas no seu reflexo, na minha janela.
Trazem palhas no bico, cordéis nas patas. Vêm sozinhos, vêm em pequenos bandos: um bica, outro chilrea e outro olha em volta.
São pássaros, são os pássaros que voam  de
longe para longe.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

a greve

ao direito à greve,



A greve é boa quando somos nós lutar pelos nossos direitos, a greve dos outros é boa quando não nos muda os nossos planos. A história da greve conta-se assim:

Voara há menos de uma semana para Joanesburgo, para dias cheios de formação e um esquecer tudo no final do dia, para recomeçar no dia seguinte na Babel linguística que são os meus dias. Viver entre línguas dá nisto e se querer voltar ao colo da língua mãe no final de cada dia, sentir o carinho das palavras, deixar-se abraçar pelo seu amor, para se entregar nos braços das línguas amantes logo de manhã cedo.

O fim de formação coincidia com o regresso a casa, aquela que me acolhe em dias de trabalho. Tudo normal na rotina de check out, acomodar mais papéis na mala e ter pequenas reuniões nos entretantos. Entrar no autocarro do hotel, chegar ao aeroporto, fazer check in, passar pelos vários pontos de revista, percorrer lojas para comprar tudo ou nada, comer, tomar café. Entrar no avião, sentar, dormir, comer, conversar, ver filmes, ler, mexer-me não fazer nada, querer sair do avião quando ainda não é hora... e tantos outros verbos que têm lugar no lugar do lado.

Tudo seria assim até aterrar.O piloto até avisou a aterragem em Dakar, mas instantes depois explicou que afinal aterrariamos em Banjul porque havia uma greve de controladores aéreos. Os passageiros olharam uns para os outros, como se não percebessem nenhuma das línguas em que ouviram a mensagem.

Os verbos esperar e pacientar ganham a conjugação própria de cada passageiro, na falta de novidades. Os tempos verbais são esquecidos quando piloto diz, três horas depois, que temos de voar para Acra porque lá a companhia tem mais apoios. Os passageiros olham-se incrédulos: eu sinto-me a afastar de Dakar, os outros sentem Washington mais longe.
Mais de três horas depois aterrávamos todos em Acra. Nova incredulidade de anúncio de saída.

Num primeiro instante ninguém sabe bem o que fazer connosco, e entre a espera de mais um rastreio de segurança lá está a solução: voltar a Joanesburgo no voo que sai dentro de minutos e de lá voltar no dia seguinte.... ou.... ou ficar em Acra por conta própria até ao fim da greve ainda não anunciado, conseguir visto e comprar outro bilhete. A decisão tem de ser tomada rapidamente.

Ficar no incerto ou voltar a descer África. O desejo de ar livre é enorme, mas as decisões têm de ser tomadas de modo sensato.
Voltar a Joanesburgo foi decisão. Entre autocarro e o avião ainda dá para sentir o sol e a humidade de Acra. Tudo se esvai em minutos em busca de lugar no avião.
Acomodo o cansaço no banco, guardo a dor de cabeça na bagageira, para que não saia de lá. Sento-me em conversas com os passageiros, trocamos "postais" de lugares por onde passamos, o tempo passa... filmes... refeições que não me sabem a nada.
Na hora de aterrar sou presenteada com um saquinho de banana seca picante - um aperitivo do Gana. Diz que é para comer no próximo hotel para onde for. Agradeço querendo acreditar que a greve era mesmo só de 24horas e que haveria um voo de regresso para casa.

Já no aeroporto ninguém tem muito para nos dizer, mas lá sacam do voucher de hotel - não havia volta a dar até ao final do dia seguinte. Os hotéis estavam cheios em Joanesburgo, mas mesmo assim fomos encaminhados para um que nos encaminhou para outro e lá nos deu de jantar, antes de nos deixar em Pretória - mais quase uma hora de caminho e eu quase não sei que é quase sábado.
Mais um check-in, mais uma cama desconhecida, mais um adormecer e ser acordada pelo erro - não o voo é só ao final do dia.... tento esquecer e dormir, mas logo é hora de pequeno-almoço, logo é hora de não saber bem a que horas nos levam para o aeroporto... logo é hora de querer um cartão de embarque, de ninguém perceber à primeira o que fazemos ali e de procurarmos as malas do dia anterior. Encontrado o caminho lá reclamamos mais um voucher de refeição e eu já só penso num café expresso. Encontro-o mais tarde com chocolate de menta, entro numa loja saio de outra até chegar ao último check de segurança antes do embarque - volto a perguntar-me por que é que tem se ser assim, por que é que há sempre o medo latente que algo aconteça, será que revistam mesmo tudo? será que nada lhes escapa nos pedaços de papel que lêem coisas invisíveis? No meio destes pensamentos dou por mim a desejar as boas-vindas ao passageiro do lado, com o qual conversei sobre mil coisas da vida: desde yoga, meditação, religião, educação, viagens, futuros e presentes, pessoas.. O tempo passou. Finalmente o solo de Dakar, e depois de meias palavras em Wolof eis-me na confusão das malas "grevistas": malas por todo o lado, tapete de giram com malas de voos anteriores, gente perdida, gente inquieta que grita e se pergunta porquê esta mudança de aeroporto "do dia para a noite".

Il faut patienter, tout va se régler!


domingo, 10 de dezembro de 2017

Adis mais quente

Às estações do ano,



Passara por ali antes, em trânsito para outros lugares. À saída do aeroporto o frio inesperado, palavras em "mil línguas", o caminho para o hotel, uma noite meia dormida e o regresso ao aeroporto.
Desta vez seria diferente, a começar pelo frio, que tinha virado calor e terminado numa estadia mais longa para duas actividades.
Daria tempo para sentir a cidade ou talvez não, pois as actividades seguidas de reuniões transformam as viagens em lugares de hotel.

Seria quase assim, não fosse o ter de acompanhar um participante ao hospital.


Tudo o que sei se Adis Abeba é o frio noturno, o calor de Outubro/Novembro, os caminhos do aeroporto para hotéis e daqui para um hospital.
Tudo que vi de Adis é uma capital em crescimento, uma capital com toques rurais, ou não fosse a venda de carneiros. Uma cidade cheia de lojas e centros comerciais ao jeito dos anos oitenta. De gentes simpáticas, que falam inglês e uma língua que não entendo (amárico).
Tudo que está para além de Adis é o que me falta conhecer.

domingo, 12 de novembro de 2017

Alzira, a osga

aos passos deslizantes,



Alzira percorre mosaicos,
sobe e desce paredes.
Alzira desliza em passos lentos,
longe dos meus apressados.
Alzira é transparente no escuro da noite.
Alzira viaja pela casa,
desaparece durante dias.
Foge de conversas.
Alzira ainda é uma pequena osga.

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

iluminar o sol

à luz que me ilumina,

Voltar a tocar a terra e encher a boca de sabores de infância: é assim o anúncio de férias.

Este ano o calor fez com que "tudo viesse mais cedo" nos campos, o milho já estava desfolhado e guardado em caixas, as uvas já se tinham tornado em vinho e o mosto estava prestes a ser aguardente.

Pelo chão iam-se espalhando as castanhas, entre as pedras dos caminhos reluziam azeitonas. Cedo se juntaram ripes, serra ou moto-serras a quebrar o silêncio da aldeia - nada como na infância em que grupos de homens e uma ou outra mulher se juntavam depois de seco orvalho, estendiam a roupa (panais) pelo chão, posicionavam as escadas armados com ripes e contavam histórias antigas entre o tilintar da azeitona na roupa. Almoçavam e à noite ceavam. A sopa com feijão e toucinho nas malgas aquecia-lhes o espírito, as batatas com bacalhau regadas com o azeite do ano anterior afagavam-lhes o estômago, adoçavam-no com arroz doce e creme, despertavam com o amargo do café.Deixavam-se levar pelo escuro da noite com uma arguardente e uns quantos cigarros a iluminar o jogo de cartas. Regressavam a suas casas cruzando caminhos. Voltavam ao leito onde as suas mulheres os esperavam. Aconchegavam-se até ao outro dia.

Por estes dias já não se vêem grupos de homens a subir oliveiras. Os poucos que o fazem vão cortando ramos para os que estão em baixo riparem. As oliveiras baixam os braços lá do alto, trazem mais luz aos campos vazios pela seca. Uns aqui outros ali enchem carrinhos de mão, regressam no silêncio das cantigas. Limpam a azeitona, guardam-na em recipientes com água até que chegue o dia de ir ao lagar, até que se transforme na luz dos próximos anos.

terça-feira, 26 de setembro de 2017

à saída da lua

a quem anda de luas,


lua sai, lua vai. lua vem, onde está a lua?

é esta a pergunta que paira no céu cada vez que se aproxima uma festa religiosa, pois é a lua em quarto crescente que marca o dia, é sobre esse dia que os líderes religiosos decidem. dessa decisão sai o dia oficial, mas como eu todo o lado "há quem veja a lua mais cedo" e assim a festa começa mais cedo para uns que para outros.

foi assim no último Tabaski - dizia-se que seria sexta-feira, dizia-se que seria sábado.
em voz baixa contavam-se superstições de quando calha à sexta, em voz alta decidiu-se que o dia oficial seria sábado.
na casa de quem o celebrava, cada um tomou a sua decisão e para uns o sacrifício começou na sexta.

Eid Mubarak! Alhamdouliah.


sábado, 2 de setembro de 2017

Ir para fora cá dentro num instante

Aos que ainda não vieram,




Dias para trás, dias para a frente no calendário e finalmente as visitas chegavam. Num esboço imaginário havia visitas pensadas, repensadas e... é melhor esperar que cheguem e repensar tudo a cada dia.
Chegaram num abraço de felicidade, sorrisos num país novo, numa língua diferente. Um abraço apertado num meio de tantos outros, entre malas.

As luzes no caminho para casa, as primeiras descobertas no escuro da cidade.
Das malas saiam sabores da terra e surpresas, entre o "pôr a conversa em dia"... A casa fez-se cama e o dia amanhaceu com mesquita... Pequeno-almoço farto e rodas ao caminho pela auto-estrada e pela estrada nacional até ao Parque de Nguerine em Ngaparou. Um lugar onde as aves reinam com macacos, tartarugas, lamas e outros quadrúpedes, rodeados de mangueiras e flores.




Almoço por lá mesmo acolhidos pelo papagaio branco e um regresso para "correr" Gorée num barco fora de horas, ver o sol cair entre os mimos de um gato ladeira acima, deixar-se convencer pelo pintor de areia e regressar nas ondas da primeira tempestade do ano.


Conversas para longe e era de novo dia. Conversas por perto, para orientar o transporte até ao Lac Rose, que naquela altura e àquela hora não estava assim tão Rose, mas se enche de carregadores de sal. Por lá é possível tomar banho ou passear no lago, comprar sal em sacos de vários tamanhos, bijuterias ou arte, tudo a um preço bem negociado.
 





Para quem quer pernoitar há hotéis na beira do lago ou um pouco mais longe. Há passeios de camelo, moto 4 ou jipe pelas dunas no caminho da praia - o chamado petit raly Dakar.




Menos de duas horas de caminho para "escadear" a estátua da Renascença e ver Dakar a perder-se da vista, enquanto se pescam Pokemons!! Descer pelo caminho mais fácil porque era dia de aniversário, dia de sentar Portugal à mesa entre caldo verde, chouriço, queijo, broa e tanto mais que havia. Brindes e cantigas até ser dia.






Dia de percorrer os bairros a pé de descobrir os afazeres do mar junto à mesquita, de começar a comprar lembranças. Dia de ir ao centro da cidade e descobrir marcas de Portugal na catedral. Perder-se nas ruas e não se deixar convencer por todos os que querem vender. Dia de descobrir novos sabores, de se encantar com as cores... dia de voltar no mesmo abraço, pensando em tanto mais que havia para descobrir.