terça-feira, 19 de maio de 2015

Da Viagem


Cadeira de pneu - Museu de Arte Tradicional - Mindelo
Das viagens trazemos sempre algo que guardamos, coisas que mostramos aos outros e outras que guardamos só para nós.
Nas viagens nascem ideias, que queremos transportar na mala. Algumas não cabem nela e têm de vir na bagagem não acompanhada.
Nas últimas viagens decidi não carregar muitos objetos de decoração porque já quase não há espaço no baú, por isso desta vez trouxe só as ideias...

Mesa de jante - Casa da Teté Alhinho -Praia

Atrelado - na rua - Praia
Cancela - na rua - Praia






Pátio - Centro Cultural do Mindelo - Mindelo
Candeeiros - Café Mindelo - Mindelo
Balanças - mercado do peixe - Mindelo
Mesas e cadeiras - Alliance Française - Mindelo
Vasos - Alliance Française - Mindelo
Espelho - Alliance Française - Mindelo
Loja de música - Mindelo
Mesa de cabeceira - B & B - Ponta do Sol

Mesa de pneu - Museu de Arte Tradicional - Mindelo













segunda-feira, 18 de maio de 2015

Saber esperar

Para o meu chão,

Saber esperar tem nome de semana e de greve da TAP.
A história começa assim:

Era uma vez uma mala e um corpo viajado por serras, vales, areias vulcânicas e águas de mar. O corpo tinha na mão um bilhete de regresso com data marcada, no meio de uma greve e a mala tinha um interior para ser selado com um fecho e um cadeado.
O corpo banhou-se, estendeu creme hidratante, acomodou partes de si na mala, correu-lhe o fecho e num suspiro de ternura colocou-lhe o cadeado: estavam unidos para a viagem.
O corpo sentou-se no sofá e percorreu a página do aeroporto: havia voos cancelados, outros de porta aberta e havia o seu que permanecia silencioso. O corpo distraía-se em palavras escritas e a mala aguardava no fundo das escadas. Cada um no seu canto souberam do cancelamento do voo. A greve apanhara-os num sopro de vento e não podiam mais ficar neste lugar de cama às riscas, até porque há uma lei que dita os direitos e os deveres dos passageiros.
Juntos, num quatro rodas, foram ao aeroporto na esperança de um lugar num outro avião ou num outro lugar para dormir, como ditam as regras. Não havia outro avião, mas houve um lugar para dormir e comer durante quase uma semana.








 O corpo agarrou na mala ao colo, estendeu-a no chão, retirou-lhe o cadeado e correu-lhe o fecho. A mala respirou de alívio e o corpo dormiu.
Haveria de ter voo dali a dois dias, pensou, por isso havia tempo de fazer o que ainda não tinha sido feito, como ir à praia em trajes próprios, como dormir e escrever palavras em viagem e palavras sérias, fechadas entre pontos e vírgulas.







Era manhã, despertou com o som das ondas, espreguiçou-se na varanda voltada para o mar. A mala continuava deitada, esperando que lhe desse um beijo de bom-dia antes de ir tomar o pequeno-almoço.
O corpo tem estas coisas de precisar de alimento de duas em duas ou de três em três horas. A mala conhece-o bem, por isso aguardava pacientemente no chão, enquanto viu os seus pés descalços aproximarem-se.


O corpo procurou espaço na mala, guardou pertences, mas não correu o fecho. Pensava fazê-lo no final de jantar, porquê ter pressa?
No mais pequeno recanto de si a mala agradeceu não ter começar já a suster a respiração.

O tempo passou, os pés descalços voltaram a tocar o chão. Perto deles a mala percebeu que as suas rodas não deslizariam até ao aeroporto. No dia seguinte saberia que teria de esperar mais dois dias. A história repetiu-se: não havia lugar no avião.

O corpo e mala descobririam que a espera é como um corredor cheio de portas e quando nenhuma se abre é porque a espera termina no fundo do corredor.



O corpo domiu, escreveu, conversou, saltou, riu nadou, bronzeou-se, limpou a areia dos pés, almoçou, jantou, sorriu, dançou no "Fogo d'África", conheceu novos lugares e... e era domingo. Dia de um novo voo.








Mas ainda havia tempo de conhecer a praia de S. Francisco e não importava que a manhã tivesse sido de praia Kebra Canela.








O dia ia terminando para lá da varanda, o corpo queria voltar, queria tocar outro chão com os seus pés descalços. A mala sentia-lhe a ansiedade disfarçada, no bater do coração.
O corpo encheu-a de si e de lembranças da terra. Pediu-lhe que encolhesse um pouco a barriga, correu-lhe levemente o fecho e pô-la de pé, para que ela voltasse a sentir o chão nas suas rodas.
O corpo deu-lhe a mão e juntos percorreram o chão até ao aeroporto... e do aeroporto até casa.
Agora ela repousa no sótão, até à próxima viagem, e ele anda por aí à espera de um chão no mundo, para voltar a viajar com ela.

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Praia - Assomada - Tarrafal - Assomada - Praia


Para o tempo que passa,

Em 2009 sentei-me pela primeira vez num avião para Cabo Verde e ao chegar segui de carro para a Assomada. Num dos fins-de-semana que lá fiquei fui ao Tarrafal, mas faltou-me ver a prisão, que queria ver desta vez, para satisfazer a minha curiosidade histórica.












A saímos de manhã, não muito cedo, e fomos seguindo as curvas até Assomada, para cumprimentar família e amigos. Depois de um café e do avistamento do maior poilão seguimos até ao Tarrafal.

À chegada um bando de miúdos rodeou o carro pedindo canetas, água, sumo ou o que se lembrava. Comprámos o bilhete e passámos os portões que em tempos foram transpostos por presos políticos de Portugal, Angola, Cabo Verde e Guiné-Bissau. De cela em cela fomos lendo e revivendo a história das gentes que por aqui passaram.










Subimos as escadas e vimos as montanhas que prendem este lugar.
Voltámos a passar o portão e a enfrentar as crianças.


Seguimos na direção do mar e encontrámos uma igreja de outros tempos meia derrubada porque alguém se lembrou que para aumentar é melhor deitar abaixo!


O mar era mais em baixo... a areia escaldava os pés descalços... e o corpo sentia o sol a morenar... era impossível resistir não ir à água, mesmo sem os trajes convencionais de banho. Como aqui a convenção banhística não é muito exigente, o corpo pode encher-se de sal com qualquer traje e se "em Roma sê romano", em África sê africano... e a água estava ótima... e a roupa molhada foi seca pelo sol...


O corpo arrefecido pedia alimento, pedia para sentar-se de frente para o mar onde se havia banhado... mas o tempo passava e a comida não chegava... e a cachupa que não saía da panela... levantámo-nos e fomos com a nossa garrafa de água. Acabámos na casa da família a almoçar o lanche.
De volta à Praia foi hora de mais um abraço terno e apertado, ao cair da noite.

Um quintal de música

O dia fez-se noite e a noite fez-se música.
Vestido rodado, sandália no pé, brinco na orelha.
Chinelar, chinelar até o "Quintal da música" encontrar. Sentar, esperar um prato de peixe, brindar à amizade e à vida que está a ser vivida.












 Deixar-se levar pelas mornas na voz de Rui Cruz porque o "tempo sabi".
 
Sabi di mais...

E a noite continuava na voz de outros que se atreviam a mostrá-la. E a noite continuou no Tarrafal, no "tereru kultura", um lugar onde acabara de cantar uma Guineense, mas onde ainda havia risadas e boa conversa, com gente nova das artes.
A noite sabi...



Redescobrir a Praia

Para os amigos, que guardo no peito,

O dia continuava a acordar na cidade da Praia, espreguiçava-se entre o castanho das pedras e levantava-se ao som das ondas.

O dia sentou-se à mesa do Café Sofia e pediu uma sandes de queijo, um sumo da calabaceira e um café. O dia ligou-se ao mundo com a internet da praça, perdeu-se em conversas e encontrou-se num abraço que lhe mostraria onde iria dormir nas próximas duas noites.
O dia chinelou as ruas do Plateau e entrou em lojas. O dia sentou-se a refrescar a garganta, antes de se estender numa cama às riscas e voltar a sentir o chão debaixo dos seus chinelos.











O dia olhou a cidade de táxi e comeu churrasco no Benfica.
O dia sentia o calor do sábado, do enlevo e da surpresa.



O dia deslizou nas ruas ao som da música da sua pulseira no pé e reservou uma mesa para jantar, mas antes o dia precisava descansar e banhar.




domingo, 10 de maio de 2015

Nhô S. Filipe

Entre curvas, o mar e as hortas chegámos a S. Filipe. A missa estava prestes a terminar, mesmo em frente à igreja. Comprámos água. No ar, os foguetes marcavam a saída da procissão, em terra ouviam-se tambores e cavalos a trote. O coração encolheu-se um pouco e lembrou-se das recentes festas das Boas Novas.
Na procissão, acólitos, gentes da catequese, padres, autoridades e demais população (muita vinda de longe para a festa), a acompanhar o andor de S. Filipe,  enfeitado com rosas vermelhas de plástico, que relembram a simplicidade de outros tempos de fé.













Deixámos que a procissão passasse e entrámos na igreja quase vazia.

Sento-me a recordar como se reza e sinto os meus olhos presos numa das imagens do altar lateral. Não sei quem é, mas contemplo-lhe as expressões. Penso que quando se reza se pede algo,mas eu não sei qual é a advocacia de S. Filipe e a Santa também não ma diz, nem os habitantes a quem perguntei por ela. Peço-lhe o que vai no coração: um caminho para andar.
















 Os foguetes e os tambores quebram o silêncio.
Volto à rua, para ver a procissão do princípio. Os tambores e o trote arrepiam-me.






Deixámos que a procissão seguisse e partimos à descoberta da ruas e de um lugar para almoçar.
Seguimos o conselho do guia de viagem e ficámos de barriga cheia da espera. O almoço cumpriu o seu desígnio de alimentar o corpo. O corpo cansado queria fazer uma sesta e queria ir à festa. Dado o adiantado da hora procurou um café e um doce e embrenhou-se na multidão, para ver a corrida de cavalos: rapazes a cavalo que tentam apanhar coroas de flores e sacos com cinza e drops, que depois as crianças correm a apanhar.

No meio da multidão, dois enfermeiros, que terão trabalhado com outros enfermeiros de Portugal, vão-me descrevendo o que vejo, rimos e batemos palmas a cada coroa conseguida.
Depois da entrega de prémios e da passagem da bandeira, partimos à descoberta dos sobrados, nas ruas quase vazias. Terminámos junto ao mar em busca do pôr-do-sol.






















O corpo pedia descanso antes do jantar, mas a curiosidade em saber quem era o hóspede do pequeno-almoço não nos deixou parar muito tempo.
Encontrámo-lo numa pizzaria, que não é, com certeza, o lugar mais típico de S. Filipe, mas valeu pela pizza, pelo gelado e pela conversa sobre o mundo e sobre ONG e grandes agências de cooperação internacionais. O mundo é pequeno e os que andamos nele cruzamo-nos em qualquer esquina.

À noite houve concertos, que não vimos porque o corpo pedia repouso antes de voltar ao aeroporto às cinco e trinta da manhã.
Voltámos a ver S. Filipe acordar na pista do aeroporto. A Praia era já ali.