domingo, 22 de novembro de 2015

De Dakar

para as fontes de mudança e inspiração, para os amigos que têm sempre um sorriso e um coração aberto





Um dia abriram-me a mão e disseram-me que a minha vida ia mudar, que a roda pararia de girar em turbulência e esta se faria, agora, de malas às costas até encontrar um pouso. Qual pássaro que aporta nos beirais das estações, que este ano fez a mala para São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, fez um pequeno saco para ir a Espanha,  encheu a mala para ir à Tailândia e ao Cambodja, carregou a mochila na Suiça e fez as malas para o Senegal. Malas, mochilas, carteiras, cheias de sonhos e de esperanças, de vontade de conhecer e se (re)encontrar, pedindo paz, desafios, amor, amizade.... Pois bem, aqui está o desafio: um contrato de trabalho no Senegal, para fazer algo que nunca fez ou nunca o fez deste modo, um trabalho longe das salas de aula, mas a pensar nelas. Um trabalho na torre de Babel onde o português se mistura com o inglês e o francês aprendidos na escola, mas nunca falado em tal intensidade.

Os dias fazem-me assim, entre a descoberta e a procura de uma casa - no pensamento de que há lugares onde não quero morar, diminuindo as expetativas de morar num sítio belo e confortável, como o último por onde passei. Em Dakar, apesar de haver carroças de cavalos e ovelhas a passear-se gentilmente pela rua, as casas são caras, bem mais caras quando se quer encontrar uma mobilada, algumas têm pormenores de decoração que chocam com o meu olhar misturado pelos lugares por onde tenho andado. A outras falta-lhes a luz de que preciso para acordar, para estar. Já as vi de todas as formas (bem, talvez ainda faltem algumas), já cheguei até elas a pé, de carro e de mota. Gostava de um dia chegar de bicicleta (que saudades), mas dizem-me que aqui é perigoso, que os carros não respeitam e eu lembro-me do caos calmo do Cambodja e de quanto me custou a reaprender a andar de bicicleta por lá, mas como depois isso me enchia o coração.


A carta vai longa e já alguém deve estar a querer saber das gentes de cá. As gentes, as gentes têm sido simpáticas e acolhedoras comigo. As gentes de cá são de cá e de muitas outras partes do mundo.
Com as gentes de cá o episódio mais caricato que me aconteceu foi ir de mota com um agente imobiliário e ter de parar pelo caminho porque passámos por um local de culto à hora da reza, logo ele precisava de rezar e eu precisei de esperar na rua com todo o respeito e com o capacete enfiado na cabeça.
As comidas de cá são de um picante extraordinário, quem é de cá diz que não sente, porém em cada almoço sinto o meu estômago a esquentar logo na primeira colher de arroz.

Com tudo isto continuo sem saber o que penso de Dakar: uma cidade que se estende muito mais para além do Plateau, com ruas com alcatrão e com areia, com táxis amarelos e pretos com quem é preciso negociar o preço todos os dias. Uma cidade com muito para descobrir, uma cidade para me levar a conhecer outros pontos do país.
É por ela que vou andar nos próximos tempos, por isso será bem-vindo quem vier por bem.



segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Check-out

 para a viagem,

O relógio atrasava-se no tempo e a mala não aparecia no tapete. Haveria de a receber dois dias depois, para distribuir recordações e voltar a colocar cada bocado de si no seu lugar.
Para a mala esta foi uma viagem longa, foi uma viagem que começou num "chama-me que eu vou" (que voltaria a repetir), que a levou a ver um mundo novo por fora e por dentro, foi um desafio ao seu sentido de orientação e ao estar "sozinha" num lugar desconhecido.

Foi uma viagem de descoberta de si, de provar novos sabores e ir a um cinema com camas e de tentar comer enquanto via o filme. 



Da viagem trouxe muita coisa que ainda não sabe, porque na palma da mão direita tem o regresso às corridas e na palma da mão esquerda tem as linhas de uma bicicleta, por isso vai pensando no dia de hoje, enquanto sonha com o de amanhã.

Zurique - escala

para os amigos que não visitei,


Zurique aparece numa escala do regresso. O tempo de escala era muito e poderia haver amigos para visitar fora do aeroporto... Mais tarde percebi que os amigos trabalhavam e que lá fora chovia, então instalou-se a dúvida: ficar no aeroporto a ver lojas ou a fazer algo no computador ou sair do aeroporto, fingindo que não chovia ou acreditando que ia parar de chover e ver o que fosse possível ver?



Tentando esquecer o quanto tinha ouvido dizer que a Suiça é cara optei pela segunda hipótese, comprei um bilhete de comboio, que daria para andar noutros transportes e que poderia ter dado para visitar museus, mas por questões de economia e de tempo deixei os museus para a próxima.
O comboio até ao centro da cidade não tem paragens e deixava ver a chuva que não parava e eu sem guarda-chuva. Pensei comprar um na estação, mas... demasiado caro para os francos que tinha na mão, por isso olhei a cidade de cada uma das portas da estação e mais uma vez fiz contas antes de me sentar a tomar um chá e a comer um croassant, à espera do sol.


O sol chegou e eu sai. Aconcheguei-me no meu lenço e segui o rio, primeiro de um lado e depois do outro, antes de regressar à estação.
Para quem tinha acabado de sair de uma cidade como Phnom Penh, Zurique é calmo demais, as ruas parecem desertas de carros e de pessoas e as bicicletas param nos semáforos! Foi frio e cinzento demais. Talvez volte lá um dia, para descobrir o segredo do chocolate.


Phnom Penh... sempre lá

Para um abraço acolhedor, 





Phnom Penh sempre lá esteve, mas ficou para ser visitada no fim, na esperança de um tempo que não passa, mas que vai passando no calendário e se aproxima da data de regresso marcada no bilhete de avião.
Neste deixar para descobrir depois, o guia de viagem não me despertou o interesse por certos locais e como (quase) sempre deixei-me levar pelo instinto, sem arrependimentos do que não foi visto e poderá (ou não) vir a ser um dia...


Nas primeiras semanas, Phnom Penh passou pelos meus olhos a pé e de tuk-tuk, quando o tempo corria, quando o sol esquentava, quando tinha de ser para chegar mais longe. Nesse tempo levantei os olhos para ver as redondezas e baixei-os no Toul Sleng Genocide Museum, levantei-os no Tuol Tompoung Pagoda, à procura de ensinamentos, centre-os no Russian Market, à procura de cada novidade entre sedas, deuses, roupas, bijuteria, frutas e tão mais que um mercado tradicional pode oferecer num labirinto quadrado ou talvez retangular.























De bicicleta cheguei mais longe, tive vontade de cruzar a ponte para outra margem, mas fiquei do lado de cá, para ver o monumento da independência, para me perder nas ruas e me encontrar no caos calmo do trânsito, para orar no Wat Phnom, para me deixar encantar pelo Palácio Real e me deixar levar no sonho de cada uma das pombas, que percorrem os jardins exteriores e viajar ao lado do River Side ou me perder no Central Market.






Phnom Penh foi um lugar para me perder e encontrar, não que a geografia da cidade seja difícil, mas para o meu sentido desorientador nem sempre é evidente que para chegar à padaria, por exemplo, é preciso virar na segunda rua e seguir sempre em frente, porque os olhos se perdem e de repente a segunda rua passa a ser a terceira.



Assim perdida em  reencontros fui apurando o meu sentido de atenção, mas houve um dia em que olhei para o calendário e ele tinha a mesma data do bilhete de avião - era hora de receber um abraço acolhedor para me perder na barriga de um avião.