terça-feira, 6 de dezembro de 2016

os homens da minha rua

para os homens das ruas do mundo,

os homens da minha rua sentam-se no vão das escadas, trocam palavras por café touba entre o fumo de cigarros espaçados,


os homens da minha rua vestem-se a rigor, palmeiam ruas a pé ou de carroça, vendem produtos ou recolhem o que já não cabe em casa,

os homens da minha rua marcam as horas da oração e enchem as ruas à sexta-feira,

conduzem táxi e oram no inesperado da rua,

guardam casas e gerem lojas,



vendem frutas e espetadas

os homens da minha rua cumprem o ritual da attaya no calor do tempo: três copos do amargo doce

domingo, 27 de novembro de 2016

depois da chuva, o jantar

para os amantes de chuvas tropicais,

era Outubro, era Moçambique, era tempo de chuva
era um hotel de reconstrução da China







abriu as cortinas e deitada sobre a cama deixou-se levar pela saudade do pôr-do-sol,
pela janela aberta o vento chegou até ao corpo, abeirou-se no olhar levantado do computador




levantou-lhe o queixo com a mão esquerda... o vento soprava forte, o vento levou-a até à janela... os trovões aumentavam, os raios aproximavam-se, o estrondo aumentava,

lembrou-se de casa...

... alegrou-se num sorriso, por ter de volta a sua chuva tropical num quarto cheio de impormenores de construção e decoração,


abriu a janela, sentiu as gotas de chuva e o vento no cabelo solto. os trovões ribombaram no coração, fechou a janela,

a rua enchia-se de água, virava rio,
a barriga enchia-se de fome, virava barco,
a cabeça lembrava-se das bolachas e das maçãs na mala...

voltou à cama, comeu o que estava na mala,

a chuva passou... a noite era fresca à hora do jantar


sábado, 26 de novembro de 2016

dona flor e seu(s) mar(idos)

para os que têm a leve ideia de ser meu marido,

há duas curtas conversas que se repetem. Uma de maridos, outra de futebol, dependendo do atrevimento do interlocutor, às vezes acontecem no mesmo parágrafo.


Em dias de sol ou de areia, aproximam-me, chamam cumprimentam, correm atrás, saúdam, de acordo com a hora do dia e a circunstância e às vezes seguem directo para um "és bonita" e eu que acredito que o espelho não me engana agradeço cordialmente, já a imaginar a próxima frase.

Com mais ou menos enredo a pergunta chega: "És casada?" - e eu respondo na cordialidade dos dias. Sem conversas longas e explicações.

As respostas positivas são perseguidas por outra pergunta: "português ou senegalês?".


Escolho o mais fácil do enredo - português - e num jeito de pressa deixo os pensamentos no ar. 

Houve até quem já perguntasse há quantos anos... imaginei-me a não perceber a pergunta, mas outra reforçou "dois ou três?"... debaixo de um guarda-chuva penso que três significará um casamento mais sólido e evitará mais perguntas inesperadas. Sou salva pelo táxi que chega..mas quem disse que os taxistas não fazem perguntas para além de como chegar ao destino. Há dias, do nada um saca da frase elogiosa. Insiste que é uma pena eu ter marido porque ele era solteiro e procurava uma Toubabe como eu - fez tal descoberta em dez minutos de caminho cheios de silêncio cortados por vire à esquerda, vire à direita... Fazer o quê quando o Jorge Palma podia cantar: "andas aí a quebrar intenções..."?!

Nesta altura, a areia voa e povoa campos de futebol, os mesmos que adorariam que recebesse os pés mágicos de Cris, como é familiarmente chamado Cristiano Ronaldo. O nome que aparece depois de descortinada a minha nacionalidade e leva a conversas de futebol ou a curiosidades semi-previstas.

É um problema o Cris não vir jogar ao Senegal, é um problema de outra dimensão ser "casada" (até o vizinho debaixo pensava que eu morava na casa do de cima) com um marido em qualquer outro continente do mundo... 

Se estão parados nas reticências a pensar porque não foram convidados para nenhum casamento então é porque não assumi nenhum cometimento (ou compromisso, como aprendi a dizer em Moçambique) e o sonho do meu mano ainda não se realizou...


segunda-feira, 21 de novembro de 2016

ela

para ela que me ajuda em casa,

Ela tem o nome de uma das filhas do profeta, tem o nome da minha mãe, o nome que eu quase estive para ter, tem nome da mãe do mundo ainda que não seja mãe de ninguém.
Como de outras vezes, no início da semana disse-me que na sexta-feira não viria. Como sempre faz quando percebe que eu conheço um pouco da cultura, riu-se quando lhe perguntei se ia ao Magal de Touba.
Respondeu que sim, falámos da ida.


Touba fica a uns quantos quilómetros de Dakar e por lá, todos os anos, há uma peregrinação, para a qual vem gente de vários pontos do país e do mundo.
Esta celebração é organizada pela comunidade mouride para prestar homenagem ao seu fundador, assinala a data da sua partida para o exílio - é o Grand Magal de Touba. O Petit Magal marca a data da sua morte.
É um tempo destinado à leitura do Corão e dos Khassaides (os escritos do fundador), à acção de graças, através da partilha do alimento. É um tempo destinado à oração e interdito à música.

Ela voltou falámos da partida de manhã cedo num autocarro cheio de gente - como o que vi da minha janela cheio de gente, de colchões e de objectos de cozinha. Do regresso tarde na noite.

Falámos das coisas de casa e dos pequenos bichos que aparecem. Das formigas que a esta hora estavam tímidas e mais uma vez voltei a ouvir: "É bom ter formigas em casa". Já me explicou sem saber explicar que formigas são bom sinal, que há casas onde não aparecem.



Eu fico só  a pensar no quanto é bom, no quanto elas gostam de repelente caseiro para baratas. Bebemos café e comemos uma sobremesa que comprei. Pergunta se fui eu que a fiz e eu pergunto-lhe se experimentou os crepes, para os quais lhe dei a receita. Diz que ainda não. Digo-lhe que devia aprender a ler, diz que um dia vai aprender.
Pergunto-lhe pelo dia no aniversário, diz que se esqueceu, que foi na Páscoa. Digo-lhe que a Páscoa muda todos os anos, diz-me o ano em que nasceu (um antes de mim), diz o mês, mas não sabe do dia, tem de ver no cartão de identidade, não o celebra. Falámos da importância da vida.


 






Ela pergunta pelas coisas novas que vê pela casa, porque comprei isto ou aquilo. Ri-se numa interjeição entre o Ah! e o meu nome. Imagino que pense no meu bom ser louco!!


segunda-feira, 24 de outubro de 2016

enche a mala, esvazia a mala, troca mala, enche a mala

para as malas viajantes,



a mala está vazia e de fecho corrido. por magia, há uma mão que lhe contraria o movimento do fecho.
a mala está aberta, pronta a encher-se.
entra uma peça, outra e mais outra.

no topo o tapete de yoga.

a mala está fechada e de bilhete na mão. já conhece o ritual de apanhar um táxi e negociar para chegar ao aeroporto,  juntar-se a outras malas desconhecidas com quem troca palavras de conversa.

vai aprendendo que viajar sozinha a transporta para outras conversas. De algumas foge com balanço, com outras balanceia.

medita, faz yoga, caminha, perde-se menos na descoberta de lugares, está mais solta, mais ela.

chega ao destino e o ritual repete-se, fica mais leve sem o cadeado e o fecho deixa-se levar. saem roupas entram papéis e lembranças para meio mundo do seu coração.
trabalha, passeia-se, prova novos sabores, abraça amigos, conversa com mais desconhecidos, troca sorrisos, ouve piropos de pretendentes de viagem.

volta a casa com mais mundo aprendido.

esvazia-se, deixa-se encher. cumpre os rituais numa ordem diferente.

a mala está mais viajada e cheia de mundos no coração costurado.

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

nascer de novo

para os que celebram os nascimentos,



nasce-se de novo a cada ano novo e por cá começou há dez dias um novo ano (Muharram), uma nova lua.
É dia de celebrar segundo os preceitos do profeta.
As mulheres começaram cedo a cozinhar o cuscus que à noite seria partilhado entre a família e os amigos.
Ao longe o som lembrava o poema de Mário de Sá Carneiro, "quando eu morrer batam em latas". Eram os pratos de cuscus virados ao contrário que animavam os ritmos da celebração.
Hoje é dia de contornar os olhos com khôl, visitar os órfãos e os doentes.

Hoje é dia de comer cuscus, de partilhar, de ser generoso... é dia de nascer de novo.

 
Feliz Tamkharit! Feliz Ashura!

domingo, 9 de outubro de 2016

viver sozinho, ficar doente

para ti, que não estás aqui


Viver sozinha foi algo que sempre quis antes e partilhar gavetas de meias, irritar-me com migalhas na banca ou outras desarrumações. Viver sozinha antes de partilhar o meu espaço com alguém de sempre, para sempre.
Isso aconteceu... bem uma parte do isso, o viver sozinha. Algo que tem sido uma descoberta e redescoberta de mim, do meu lugar...



Como tudo na vida, viver sozinha só não é bom quando se fica doente, quando se acorda mil vezes durante a noite e de manhã se sente que se passou a noite a jogar boxe, quando se pensa que a distância curta entre o quarto e a cozinha parece que cresceu em quilómetros e depois disso ainda há que fazer um esforço enorme para juntar tudo que é preciso para comer, procurar algum remédio que acalme a dor, antes de voltar a deitar o corpo na cama, quantas vezes o corpo pedir...

Hoje sim, seria bom ter o pequeno almoço na cama e voltar a dormir.
Não, não te inquietes deve ser só uma forte gripe que bateu à porta e entrou. Daqui a dias já me deixa sozinha.

sábado, 8 de outubro de 2016

das saudades aos beijos

aos que têm saudades,

sento-me na beira do cais e escrevo-te: saudades.








deixo um espaço e entre as reticências olho os barcos imóveis do cais, numa mistura de medo e desejo de entrar num deles.
olho a folha em branco e a caneta imóvel em pensamentos.
tenho saudades da terra que ficou, da areia que se perdia entre os dedos.
saudades das pessoas que olham os barcos que querem partir e não partem.







avanço duas linhas como se avançasse nestas ruas esburacadas há anos, como se deixasse os olhos presos nas casas que vão ficando velhas de velhas e talvez um dia já não existam mais aqui porque ninguém as renova num abraço,
avanço três linhas e encontro conhecidos, perco-me em abraços e em dois dedos de conversa enchem-se dois palmos de estômago,





esqueço que estou na beira do cais à espera que barcos imóveis partam,
esqueço-me das saudades...lembro-me dos beijos que escrevo em letra redonda antes do ponto final.
volto a casa, volto a ti para lembrar saudades

sábado, 1 de outubro de 2016

Dakar verde

para as coisas simples da vida,
(como a água que corre na torneira)

 






As chuvas vão sendo mais escassas, mas não perdem a intensidade, deixam saudade nos dias de calor intenso, deixarão saudades na terra árida coberta de verde, que daqui a meses se despirá e se entregará ao pó.

 






Mas por enquanto as ervas espreitam entre as pedras, que os homens desviam com pequenas pás, para as forçarem a sair de lá e as deixar secar em pequenos montes. As mesmas que enchem as delícias de uma manada de vacas no meio da via rápida.

 











 






 

Dakar verde com chuvas nocturnas levou a água da torneira, fez sair a água das reservas em garrafões de outras águas. Transportou-me aos primeiros anos em terras aridamente húmidas onde os banhos de caneca e a contagem das gotas no lavar da louça eram partes do dia. Transportou-me para pensamentos sobre a eventual pressão da água em horas nocturnas, para recuperar reservas.


 

 A chuva lá fora acordou-me e lembrou-me a bacia que estaria cheia e a verter, os garrafões que ainda poderia encher na pressa da pressão do sono.
Olho aberto, olho fechado.
Torneira aberta, torneira fechada. Torneira aberta água corrente, água de reserva. Dakar verde de chuva, na esperança que a água não vá.



domingo, 18 de setembro de 2016

o tasbaski já passou

aos que não comemoram



O tabaski já passou, no regresso já só encontrei o fim dos festejos: gente e gente na rua perto de restaurantes e bares. Chovia copiosamente e tentavam apanhar um táxi.
O calendário assinalava-o no dia seguinte à minha chegada, mas a lua mostrou-se mais cedo.

No acordar no dia seguinte restavam as marcas da celebração: as lojas fechadas, ruas quase desertas, o lixo acumulado e nele a cabeça e a roupa que o mouton havia perdido no dia anterior.
O tabaski foi muito mais que isto, foi uma festa de reunião, de celebração entre a família. Estas foram as marcas do dia seguinte e do seguinte. Marcas semelhantes às das grandes cidades que celebram  a euforia consumista do Natal e que não sabem guardar por mais um dia o que sobra dos presentes.

domingo, 28 de agosto de 2016

Ela chegou

para as minhas botas de água








 Eu sei que nem vos comprei, mas escrevo-vos numa espécie de cartão de boas-vindas aos meus pés.
Antes da chuva chegar falava com eles de como ia gostar da chegada das chuvas, por causa do seu sentido romântico nos trópicos. Outros pés diziam-me que aqui não eram assim românticas. 


Fui ouvindo histórias e acalentado a esperança que pensasse diferente.





Ela, a chuva, chegou pela primeira vez quase sem lhe ler os sinais - não eram os mesmos de sempre. Pensei que seria bem-vinda para lavar os vidros impossíveis de limpar por fora, porém, na verdade, só aclarou pequenas marcas de poeira.






Uns dias depois chegaria com mais força, descobriria sapatos misteriosamente estragados, traria odores mais fortes e a dúvida de como atravessar a rua sem ficar molhada, pelo menos até aos joelhos. Sem solução aparente e tentando lembrar-me dos eventuais buracos pedi aos joelhos que se encolhessem e lancei os pés à água.
Dias mais tarde percebi que, realmente, as botas de água, vós, não seriam de todo disparatadas. Dizem que talvez vos encontre numa quincalharia. Certo é que não vos vejo nos pés de ninguém de cá.
Adiei a  compra... mas  a ideia necessária voltou quando o céu se voltou a fechar  de nuvens escuras e não deixou que o guarda-chuva fosse, sequer, suficiente - tenho que vos encontrar um companheiro maior.


Desta vez os vidros ficaram lavados e claro que os pés molhados, mesmo escolhendo lugares de menos água.







Digo-vos que serei coloridas, para contrastar com o cinzento da chuva, para trazer romantismo aos pés cobertos. Em alguns lugares tereis de suster um pouco a respiração porque a chuva abre o interior da terra.
Depois virá o sol, para vos secar, primeiro acompanhado pelo vento, depois sozinho para vos bronzear.



Bem-vindas à chuva pouco romântica de Dakar.






sexta-feira, 26 de agosto de 2016

é quase tabaski

para quem me ensina a celebrar

estou sentada de olhar fito na janela, lá fora os corvos sobrevoam as árvores e em voo rasante apanham um aperitivo... o som  da mesquita desvia-me o olhar para o outro lado do céu, penso no quanto as religiões se aproximam e se afastam, nos cantos que em todas elas aproximam os seres das entidades divinas..



o olhar desce até ao colorido de mulheres que se sentam na rua em pequenos grupos, baloiço a cadeira e percebo que comem (também eu como pão com chocolate), há um prato que passa, que se ajusta a um espaço vazio e deixa que as várias mãos o preencham e o esvaziem
fecho os olhos e deixo-me baloiçar, lembro-me do ramadão e do quanto aprendi a não comer quando queria ou a beber quando tinha sede
baloiço e lembro-me de um convite ordenado pela lua em quarto crescente, era korité


daqui a umas semanas será tabaski, lá fora o mouton já bale, espera que a lua lhe dite o destino

sábado, 9 de julho de 2016

Oslo imprevisto

aos imprevistos previstos,





Quando se pensa em férias abre-se o calendário, escolhe-se um mês e depois os dias mais a jeito - se tiverem um feriado pelo meio melhor porque assim as férias são previsivelmente maiores. Antes ou depois do calendário já se escolheu entre ficar em casa ou ir para fora dela ou então misturar as duas opções.
Por motivos vários esta tinha sido a minha escolha, mas por qualquer motivo desconhecido as minhas escolhas têm sempre algo para me surpreender. As férias não fugiram à regra, pois o meu chefe fez questão de me propor um pausa para trabalhar. Como qualquer proposta há sempre a opção de dizer não, porém o não nem sempre é a melhor escolha. E assim foi num sim de voltar mais cedo de Saint Louis, de fazer as malas às pressas, descarregar documentos para ler no voo, sentir a luz de Lisboa e o sabor de um café com uma nata com canela no aeroporto e dei comigo em Oslo.







Eu que penso que gostava de conhecer todos os sítios do mundo, já tinha dado comigo a pensar como seria viver num mundo de luz... mas deixem-me aterrar, forrar o estômago, responder que afinal já posso comprar bilhete para jovens porque já passei a barreira os vintes há uns tempos, seguir o conselho de entrar no comboio pela porta laranja e... e sair da estação, parar estúpida de facto: há muita gente na rua, há muita luz, não há um cheiro particular e também não há lixo no chão.

Esta estupidez de facto deve ter um qualquer nome próprio, mas para mim é uma espécie de adjectivo no grau superlativo.
Sair de Saint Louis onde os cheiros eram o mais forte de tudo e onde os olhos se enchiam desse tudo no meio de uma luz ténue, aterrar em Oslo sem esse tudo causa uma certa tontura de primeiro impacto.


 


O tempo por lá foi curto, contudo deu para sentir o sol quente quando se está na sua direcção e o sol fresco quando os raios se afastam, comer comida do mundo, beber vinho de outra terra, sentir que podia tocar nas nuvens, deixar que os olhos se enchessem de inspiração artística e de sol. Um sol que parecia nunca mais terminar, que me enganava na hora de dormir.




De sentir a magia do alto das montanhas, de me deixar levar pelas ruas à procura de algo diferente, de perceber por que é que as gentes do Norte se despem perante um pequeno raio de sol.
Oslo não é barato de todo, mas tem  seu encanto. Imagino que tenha ainda mais para quem gosta de neve e de dias mais escuros.





sexta-feira, 24 de junho de 2016

Saint-Louis do Senegal

para as companhias de viagem




Férias, sair, ficar, ficar, sair. Na roda dos verbos decidi conhecer o Senegal nas primeiras férias. Saint-Louis foi a escolha. Pesquisas na internet, voltas no guia de viagem, pergunta aqui pergunta ali, estava encontrado o contacto para o transporte e a reserva de alojamento feita.
Chegado o dia e como qualquer transporte menos oficial uma voltinha por Dakar foi totalmente garantida. Hora de saída: duas depois do previsto.
A barriga começava a dar sinais de fome e o umbigo transformava-se em ponto de interrogação: comer, não comer, beber, não beber, oferecer, não oferecer. Esta alternância de verbos surge na dúvida do começo do Ramadão: uns diziam que começava nesse dia outros que começaria dali a dois dias. Na dúvida oferecesse ouve-se não e está tudo bem como se fosse sim.


A viagem continuava e como em qualquer viagem por terras de África havia que fazer compras. Manga de compras, compras de mangas, já que é tempo delas. A viagem seguia o ritmo da viagem. Por entre estradas de areia, o primeiro passageiro era deixado perto de casa. De volta ao alcatrão a rota continuava até que um pequeno barulho de ouviu e um dos passageiros aconselhou uma breve paragem para confirmar se estava tudo bem. Resultado um pneu furado, um macaco mal posto, Carro "todo no chão".
O dia ia terminando, a noite chegando. A lanterna e os telemóveis ajudavam a fazer luz. Quatro mãos solidárias ajudam retirar a areia e as pequenas pedras, um macaco hidráulico aparece para ajudar o outro e voilá, pneu trocado.
Mãos limpas seguimos viagem. Perdidos entre ruas encontramos os alojamento na Île de Ndar.
Deixamos as malas e saímos para jantar ente conversas de histórias passadas.




 





Fomos por um lado e voltámos por outro, ao som das conversas de enamoramento de um guarda. O corpo pedida banho, o corpo pedia repouso na cama até ser manhã ou até a mesquita começar a chamar para a oração.

O pequeno-almoço no terraço trazia o primeiro olhar sobre Saint-Louis: os barcos coloridos no rio, a ponte para a Guet Ndar.
Os pés pela areia ou pelo alcatrão descobriam casas coloridas, algumas com pinturas já gastas pelo sol. A cada passo dado um artista convidava a entrar na sua loja ou a ver a sua obra exposta na rua, em cada olhar em cada esquina uma novidade, uma chamada de atenção, uma oferta para um lugar turístico com os mais diversos items incluídos: passeio no rio, peixe assado, banhos de mar. O preço seria negociado e um pouco dependente do número de aventureiros.



 


Na dúvida a escolha recaiu sobre o Syndicat d'Initiative, o turismo oficial, com guias oficiais.
Na região há vários parques que se podem visita e também se pode optar por dormir uma noite no deserto, mas como o ditado diz que "tempo é dinheiro", o tempo e o dinheiro escolheram visitar La Langue de Barbarie. 
La Langue de Barbarie é uma reserva natural a cerca de 25km de Saint Louis. De barco acede-se ao lugar de migração de aves de vários nomes e depois de uma pequena caminhada é possível tomar banho no mar.




 





Para mim que um dia disse que não gostava de pagar para ver animais, que tal não era prioridade para mim, para mim que tenho uma certa fobia a barcos dei comigo a deliciar-me no cruzamento do olhar com os pássaros escondidos, com aqueles que voavam, com os que se faziam ouvir num coro indescritível ou mesmo com a água semi-salgada, que o vento fazia questão de depositar no meu rosto e de me molhar a roupa.
O ditado diz "pela boca morre o peixe" e eles saltavam nas águas e recordavam-me o "nunca digas nunca" (se um dia enviar uma carta de um safari será mesmo verdade que o fiz, ainda que...).
Pelo caminho de volta e de regresso é possível ver uma extracção de sal, um mini, mini Lac Rose (não o "verdadeiro"), flamingos e outras aves familiares, famílias de macacos e de uma "espécie prima" dos javalis.


 

 




De volta a Saint-Louis era tempo de almoçar e testar a "creperie". Um daqueles lugares simples, com uma oferta de crepes de comer e comer mais. De se deixar levar pelas ruas, de deixar massajar o corpo até perto da hora do jantar.
No dia seguinte seria tempo de voltar a Guet Ndar, uma outra ilha, em busca de uma praia ou de uma piscina para banhar os corpos.



 





Este percurso de cerca de 5km revela a vida de um lugar piscatório: as redes que se remedam, os barcos que chegam cheios de peixe, os vários transportes que o levam para mais longe. Revela um lugar em tempo de Ramadão: as orações, a tradição, os "mouton" grandes e pequenos pela rua a acompanhar carros e caleches que formam o engarrafamento.



 
Os corpos dourados voltariam à cidade para novas descobertas junto ao rio, para massajar a alma e para o jantar gourmet.




 
 A manhã era de regresso à capital, para trás ficava um lugar ligado por um colorido de barcos e casas, um lugar com um forte cheiro a rio e a mar e a tudo que lá pode ir parar. Um lugar cheio de arte e de criatividade.