domingo, 28 de agosto de 2016

Ela chegou

para as minhas botas de água








 Eu sei que nem vos comprei, mas escrevo-vos numa espécie de cartão de boas-vindas aos meus pés.
Antes da chuva chegar falava com eles de como ia gostar da chegada das chuvas, por causa do seu sentido romântico nos trópicos. Outros pés diziam-me que aqui não eram assim românticas. 


Fui ouvindo histórias e acalentado a esperança que pensasse diferente.





Ela, a chuva, chegou pela primeira vez quase sem lhe ler os sinais - não eram os mesmos de sempre. Pensei que seria bem-vinda para lavar os vidros impossíveis de limpar por fora, porém, na verdade, só aclarou pequenas marcas de poeira.






Uns dias depois chegaria com mais força, descobriria sapatos misteriosamente estragados, traria odores mais fortes e a dúvida de como atravessar a rua sem ficar molhada, pelo menos até aos joelhos. Sem solução aparente e tentando lembrar-me dos eventuais buracos pedi aos joelhos que se encolhessem e lancei os pés à água.
Dias mais tarde percebi que, realmente, as botas de água, vós, não seriam de todo disparatadas. Dizem que talvez vos encontre numa quincalharia. Certo é que não vos vejo nos pés de ninguém de cá.
Adiei a  compra... mas  a ideia necessária voltou quando o céu se voltou a fechar  de nuvens escuras e não deixou que o guarda-chuva fosse, sequer, suficiente - tenho que vos encontrar um companheiro maior.


Desta vez os vidros ficaram lavados e claro que os pés molhados, mesmo escolhendo lugares de menos água.







Digo-vos que serei coloridas, para contrastar com o cinzento da chuva, para trazer romantismo aos pés cobertos. Em alguns lugares tereis de suster um pouco a respiração porque a chuva abre o interior da terra.
Depois virá o sol, para vos secar, primeiro acompanhado pelo vento, depois sozinho para vos bronzear.



Bem-vindas à chuva pouco romântica de Dakar.






sexta-feira, 26 de agosto de 2016

é quase tabaski

para quem me ensina a celebrar

estou sentada de olhar fito na janela, lá fora os corvos sobrevoam as árvores e em voo rasante apanham um aperitivo... o som  da mesquita desvia-me o olhar para o outro lado do céu, penso no quanto as religiões se aproximam e se afastam, nos cantos que em todas elas aproximam os seres das entidades divinas..



o olhar desce até ao colorido de mulheres que se sentam na rua em pequenos grupos, baloiço a cadeira e percebo que comem (também eu como pão com chocolate), há um prato que passa, que se ajusta a um espaço vazio e deixa que as várias mãos o preencham e o esvaziem
fecho os olhos e deixo-me baloiçar, lembro-me do ramadão e do quanto aprendi a não comer quando queria ou a beber quando tinha sede
baloiço e lembro-me de um convite ordenado pela lua em quarto crescente, era korité


daqui a umas semanas será tabaski, lá fora o mouton já bale, espera que a lua lhe dite o destino