domingo, 27 de março de 2016

o meu nome

para os meus pais, que me escolheram o nome

O meu nome são quatro nomes cheios de significado. Avós e a mãe estão neles, nos primeiros nomes, depois vêm os sobrenomes, um da mãe e outro do pai. Pelo cansaço de os escrever todos e querendo evitar a conjunção de puxão de orelhas de dois deles, escolhi apenas o primeiro e o último para assinar.
Ao contar a história do "puxão e orelhas" todos riem e alguém decide que me vai passar a chamar apenas pelo segundo nome. Esta decisão durou um dia, porém, às vezes ainda ouço o meu segundo nome soar na sala.
O meu nome aqui ganhou outro significado. Por cá, o meu nome é grande demais e vejo-o combinado sempre de modo diferente, ainda que tenha dito que usar o primeiro e o último é o ideal.
O meu nome tem uma preposição, que a vejo escondida no meu país e que me faz pensar o porquê da sua existência se insistem em ignorá-la. Essa preposição,aqui, ganha maiúscula e quase se torna num quinto nome e assim ganho uma mão cheia de nomes.



terça-feira, 22 de março de 2016

Saudade

para as faíscas de saudades,

a saudade é uma coisa grande e às vezes pequena,
nasce nos olhos e planta-se no coração,
esconde-se nos recantos do ser e desabrocha quando menos se espera

vem pequenina, bate à porta timidamente e quando dou conta está instalada no sofá da sala,
pede café porque não quer adormecer,
quer estar alerta, olhar-me nos olhos e ver quanto tempo me aguento no jogo do
"faz de conta que não tens saudades",
quando me sinto a vencê-la esboça um sorriso e diz baixinho no seu ar de miúda
"venci, enchi-te o coração de mim" e no mesmo instante fecha a porta com promessas de um regresso





sábado, 12 de março de 2016

As mulheres da minha rua

Para elas que vêem o dia passar




 As mulheres da minha rua chegam cedo, são cerca de dez ou talvez mais. Algumas trazem os filhos às costas em panos cheios de cor e nós.
Acomodam os produtos sobre os passeios de terra batida e sentam-se em três grupos. 
As mulheres da minha rua dividem o almoço e sorrisos. Alimentam os filhos e esperam.

As mulheres da minha rua vendem as cores de bissap, de baob, de vegetais secos e pouco mais.

Ficam juntas, trocam histórias por tempo.

O vento levanta-se e elas mais juntas cruzam os panos à volta do corpo. Acomodam melhor os filhos das costas, rezam discretamente perto da mesquita. Algumas esperam pedaços de pão ou uma  moeda.

As mulheres da minha rua vêem o dia chegar ao fim. O vento aumenta, juntam os produtos e regressam a casa com os filhos às costas, as mulheres da minha rua.

domingo, 6 de março de 2016

Assim se faz uma casa

Para as casas vazias prontas a encher,








 A casa era um lugar vazio pronto a ser preenchido, só não sabia como nem quando. Tinha a chave numa mão e na outra uma lista básica de sobrevivência: colchão, fogão e frigorífico.

Nas costas uma mala com copos, talheres, toalhas, lençóis, pelas mãos da mamã, e uns quantos objectos que começariam a preencher os armários e a mesa. A mesa, bem a mesa ainda não chegou, quero dizer o balcão que liga a sala e a cozinha.
Ao lado um saco com uma panela, um tacho, dois pratos e uma chávena. 
Depois viria outra e outra e as viagens trariam copos reciclados e a necessidade sugeria a compra de mais talheres e outros tantos objectos.




 O tempo traria paletes para transformar em cama e em sofás, para acompanhar a cadeira de balanço sobre a esteira, que observa o topo da cidade, as copas das árvores, a parte mais alta da mesquita, que adormece enquanto a lua aparece e acorda quando o sol ainda dorme.


As cortinas desiguais filtram a luz em partes.

Da casa vê-se o pôr-do-sol quando não há névoa e vêem-se os aviões a passar.







 

Os presentes foram enchendo pequenos cantos com uma família sagrada, um anjo da guarda, fotografias, pedaços de publicidade, que se transformam em quadros e poesia nas paredes.









 A casa está mais cheia que vazia, mas ainda falta enchê-la com gargalhadas e mais emoção.

A casa diz: seja bem-vindo quem vier por bem...