sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

a greve

ao direito à greve,



A greve é boa quando somos nós lutar pelos nossos direitos, a greve dos outros é boa quando não nos muda os nossos planos. A história da greve conta-se assim:

Voara há menos de uma semana para Joanesburgo, para dias cheios de formação e um esquecer tudo no final do dia, para recomeçar no dia seguinte na Babel linguística que são os meus dias. Viver entre línguas dá nisto e se querer voltar ao colo da língua mãe no final de cada dia, sentir o carinho das palavras, deixar-se abraçar pelo seu amor, para se entregar nos braços das línguas amantes logo de manhã cedo.

O fim de formação coincidia com o regresso a casa, aquela que me acolhe em dias de trabalho. Tudo normal na rotina de check out, acomodar mais papéis na mala e ter pequenas reuniões nos entretantos. Entrar no autocarro do hotel, chegar ao aeroporto, fazer check in, passar pelos vários pontos de revista, percorrer lojas para comprar tudo ou nada, comer, tomar café. Entrar no avião, sentar, dormir, comer, conversar, ver filmes, ler, mexer-me não fazer nada, querer sair do avião quando ainda não é hora... e tantos outros verbos que têm lugar no lugar do lado.

Tudo seria assim até aterrar.O piloto até avisou a aterragem em Dakar, mas instantes depois explicou que afinal aterrariamos em Banjul porque havia uma greve de controladores aéreos. Os passageiros olharam uns para os outros, como se não percebessem nenhuma das línguas em que ouviram a mensagem.

Os verbos esperar e pacientar ganham a conjugação própria de cada passageiro, na falta de novidades. Os tempos verbais são esquecidos quando piloto diz, três horas depois, que temos de voar para Acra porque lá a companhia tem mais apoios. Os passageiros olham-se incrédulos: eu sinto-me a afastar de Dakar, os outros sentem Washington mais longe.
Mais de três horas depois aterrávamos todos em Acra. Nova incredulidade de anúncio de saída.

Num primeiro instante ninguém sabe bem o que fazer connosco, e entre a espera de mais um rastreio de segurança lá está a solução: voltar a Joanesburgo no voo que sai dentro de minutos e de lá voltar no dia seguinte.... ou.... ou ficar em Acra por conta própria até ao fim da greve ainda não anunciado, conseguir visto e comprar outro bilhete. A decisão tem de ser tomada rapidamente.

Ficar no incerto ou voltar a descer África. O desejo de ar livre é enorme, mas as decisões têm de ser tomadas de modo sensato.
Voltar a Joanesburgo foi decisão. Entre autocarro e o avião ainda dá para sentir o sol e a humidade de Acra. Tudo se esvai em minutos em busca de lugar no avião.
Acomodo o cansaço no banco, guardo a dor de cabeça na bagageira, para que não saia de lá. Sento-me em conversas com os passageiros, trocamos "postais" de lugares por onde passamos, o tempo passa... filmes... refeições que não me sabem a nada.
Na hora de aterrar sou presenteada com um saquinho de banana seca picante - um aperitivo do Gana. Diz que é para comer no próximo hotel para onde for. Agradeço querendo acreditar que a greve era mesmo só de 24horas e que haveria um voo de regresso para casa.

Já no aeroporto ninguém tem muito para nos dizer, mas lá sacam do voucher de hotel - não havia volta a dar até ao final do dia seguinte. Os hotéis estavam cheios em Joanesburgo, mas mesmo assim fomos encaminhados para um que nos encaminhou para outro e lá nos deu de jantar, antes de nos deixar em Pretória - mais quase uma hora de caminho e eu quase não sei que é quase sábado.
Mais um check-in, mais uma cama desconhecida, mais um adormecer e ser acordada pelo erro - não o voo é só ao final do dia.... tento esquecer e dormir, mas logo é hora de pequeno-almoço, logo é hora de não saber bem a que horas nos levam para o aeroporto... logo é hora de querer um cartão de embarque, de ninguém perceber à primeira o que fazemos ali e de procurarmos as malas do dia anterior. Encontrado o caminho lá reclamamos mais um voucher de refeição e eu já só penso num café expresso. Encontro-o mais tarde com chocolate de menta, entro numa loja saio de outra até chegar ao último check de segurança antes do embarque - volto a perguntar-me por que é que tem se ser assim, por que é que há sempre o medo latente que algo aconteça, será que revistam mesmo tudo? será que nada lhes escapa nos pedaços de papel que lêem coisas invisíveis? No meio destes pensamentos dou por mim a desejar as boas-vindas ao passageiro do lado, com o qual conversei sobre mil coisas da vida: desde yoga, meditação, religião, educação, viagens, futuros e presentes, pessoas.. O tempo passou. Finalmente o solo de Dakar, e depois de meias palavras em Wolof eis-me na confusão das malas "grevistas": malas por todo o lado, tapete de giram com malas de voos anteriores, gente perdida, gente inquieta que grita e se pergunta porquê esta mudança de aeroporto "do dia para a noite".

Il faut patienter, tout va se régler!


domingo, 10 de dezembro de 2017

Adis mais quente

Às estações do ano,



Passara por ali antes, em trânsito para outros lugares. À saída do aeroporto o frio inesperado, palavras em "mil línguas", o caminho para o hotel, uma noite meia dormida e o regresso ao aeroporto.
Desta vez seria diferente, a começar pelo frio, que tinha virado calor e terminado numa estadia mais longa para duas actividades.
Daria tempo para sentir a cidade ou talvez não, pois as actividades seguidas de reuniões transformam as viagens em lugares de hotel.

Seria quase assim, não fosse o ter de acompanhar um participante ao hospital.


Tudo o que sei se Adis Abeba é o frio noturno, o calor de Outubro/Novembro, os caminhos do aeroporto para hotéis e daqui para um hospital.
Tudo que vi de Adis é uma capital em crescimento, uma capital com toques rurais, ou não fosse a venda de carneiros. Uma cidade cheia de lojas e centros comerciais ao jeito dos anos oitenta. De gentes simpáticas, que falam inglês e uma língua que não entendo (amárico).
Tudo que está para além de Adis é o que me falta conhecer.

domingo, 12 de novembro de 2017

Alzira, a osga

aos passos deslizantes,



Alzira percorre mosaicos,
sobe e desce paredes.
Alzira desliza em passos lentos,
longe dos meus apressados.
Alzira é transparente no escuro da noite.
Alzira viaja pela casa,
desaparece durante dias.
Foge de conversas.
Alzira ainda é uma pequena osga.

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

iluminar o sol

à luz que me ilumina,

Voltar a tocar a terra e encher a boca de sabores de infância: é assim o anúncio de férias.

Este ano o calor fez com que "tudo viesse mais cedo" nos campos, o milho já estava desfolhado e guardado em caixas, as uvas já se tinham tornado em vinho e o mosto estava prestes a ser aguardente.

Pelo chão iam-se espalhando as castanhas, entre as pedras dos caminhos reluziam azeitonas. Cedo se juntaram ripes, serra ou moto-serras a quebrar o silêncio da aldeia - nada como na infância em que grupos de homens e uma ou outra mulher se juntavam depois de seco orvalho, estendiam a roupa (panais) pelo chão, posicionavam as escadas armados com ripes e contavam histórias antigas entre o tilintar da azeitona na roupa. Almoçavam e à noite ceavam. A sopa com feijão e toucinho nas malgas aquecia-lhes o espírito, as batatas com bacalhau regadas com o azeite do ano anterior afagavam-lhes o estômago, adoçavam-no com arroz doce e creme, despertavam com o amargo do café.Deixavam-se levar pelo escuro da noite com uma arguardente e uns quantos cigarros a iluminar o jogo de cartas. Regressavam a suas casas cruzando caminhos. Voltavam ao leito onde as suas mulheres os esperavam. Aconchegavam-se até ao outro dia.

Por estes dias já não se vêem grupos de homens a subir oliveiras. Os poucos que o fazem vão cortando ramos para os que estão em baixo riparem. As oliveiras baixam os braços lá do alto, trazem mais luz aos campos vazios pela seca. Uns aqui outros ali enchem carrinhos de mão, regressam no silêncio das cantigas. Limpam a azeitona, guardam-na em recipientes com água até que chegue o dia de ir ao lagar, até que se transforme na luz dos próximos anos.

terça-feira, 26 de setembro de 2017

à saída da lua

a quem anda de luas,


lua sai, lua vai. lua vem, onde está a lua?

é esta a pergunta que paira no céu cada vez que se aproxima uma festa religiosa, pois é a lua em quarto crescente que marca o dia, é sobre esse dia que os líderes religiosos decidem. dessa decisão sai o dia oficial, mas como eu todo o lado "há quem veja a lua mais cedo" e assim a festa começa mais cedo para uns que para outros.

foi assim no último Tabaski - dizia-se que seria sexta-feira, dizia-se que seria sábado.
em voz baixa contavam-se superstições de quando calha à sexta, em voz alta decidiu-se que o dia oficial seria sábado.
na casa de quem o celebrava, cada um tomou a sua decisão e para uns o sacrifício começou na sexta.

Eid Mubarak! Alhamdouliah.


sábado, 2 de setembro de 2017

Ir para fora cá dentro num instante

Aos que ainda não vieram,




Dias para trás, dias para a frente no calendário e finalmente as visitas chegavam. Num esboço imaginário havia visitas pensadas, repensadas e... é melhor esperar que cheguem e repensar tudo a cada dia.
Chegaram num abraço de felicidade, sorrisos num país novo, numa língua diferente. Um abraço apertado num meio de tantos outros, entre malas.

As luzes no caminho para casa, as primeiras descobertas no escuro da cidade.
Das malas saiam sabores da terra e surpresas, entre o "pôr a conversa em dia"... A casa fez-se cama e o dia amanhaceu com mesquita... Pequeno-almoço farto e rodas ao caminho pela auto-estrada e pela estrada nacional até ao Parque de Nguerine em Ngaparou. Um lugar onde as aves reinam com macacos, tartarugas, lamas e outros quadrúpedes, rodeados de mangueiras e flores.




Almoço por lá mesmo acolhidos pelo papagaio branco e um regresso para "correr" Gorée num barco fora de horas, ver o sol cair entre os mimos de um gato ladeira acima, deixar-se convencer pelo pintor de areia e regressar nas ondas da primeira tempestade do ano.


Conversas para longe e era de novo dia. Conversas por perto, para orientar o transporte até ao Lac Rose, que naquela altura e àquela hora não estava assim tão Rose, mas se enche de carregadores de sal. Por lá é possível tomar banho ou passear no lago, comprar sal em sacos de vários tamanhos, bijuterias ou arte, tudo a um preço bem negociado.
 





Para quem quer pernoitar há hotéis na beira do lago ou um pouco mais longe. Há passeios de camelo, moto 4 ou jipe pelas dunas no caminho da praia - o chamado petit raly Dakar.




Menos de duas horas de caminho para "escadear" a estátua da Renascença e ver Dakar a perder-se da vista, enquanto se pescam Pokemons!! Descer pelo caminho mais fácil porque era dia de aniversário, dia de sentar Portugal à mesa entre caldo verde, chouriço, queijo, broa e tanto mais que havia. Brindes e cantigas até ser dia.






Dia de percorrer os bairros a pé de descobrir os afazeres do mar junto à mesquita, de começar a comprar lembranças. Dia de ir ao centro da cidade e descobrir marcas de Portugal na catedral. Perder-se nas ruas e não se deixar convencer por todos os que querem vender. Dia de descobrir novos sabores, de se encantar com as cores... dia de voltar no mesmo abraço, pensando em tanto mais que havia para descobrir.




terça-feira, 18 de julho de 2017

Voltar ao sul

às gentes do Sul,

Voltar ao sul é descer África, coleccionar horas de avião em avião depois de ouvir mil histórias sobre o perigo de Joanesburgo.
É procurar um rosto que nos espere de placa na mão. Um rosto pousado no chão com uma placa distraída.


É voltar a encontrar gente de cada continente e recordar que em África também faz frio. Também há folhas secas pelo chão, que estalam como no meu Outono. É imaginar quem terá vivido naquele lugar que agora se chama hotel e se enche de sorrisos.

Para lá dele um mundo de avisos, de cuidados... e de histórias menos boas que acontecem a gente com rosto.
Há outros rostos marcados pela história em museus, nos mercados e nas ruas. Rostos que se iluminam no frio da noite.





sábado, 1 de julho de 2017

Paris, com amor

aos meus amores,

 



Dizem que é a cidade do amor, lugar de lua-de-mel, de namoros intensos, de celebrações no topo da Torre Eiffel, é Paris no brindar de cada um.
Eu fui lá pela romântica razão da formação, pela oportunidade de poder saber mais e ainda poder desfrutar da cidade.

 

Estava frio e chuva à chegada. Havia rosas no jardins e um livro que "indicava caminhos" na gaveta da secretária.

A barriga rodava de fome e os pés de curiosidade em busca de la cuisine française....acabaram juntos num restaurante japonês. O que haveriam de repetir, em alternância com os restaurantes italianos, para dali a dias descobrirem um de comida tradicional.



 
Da janela viam a chuva que caía. Percorriam ruas de guarda-chuva aberto, fechavam-no para entrar no metro. Deixaram-se cobrir de sol, despiram os casacos e sentaram-se nos cafés do Trocadero e tomar chá e comer croissant.
 

 





Subiram à Torre Eiffel e estenderam o olhar para longe. Trocaram olhares na Place de la Concorde, correram pelos Champs-Élysée.




 


 
Perdidos no tempo encontraram-se no metro e depois de muitas escadas lá estava a Catedral de Notre-Dame. Perderam-se entre turistas, rezaram para se reencontrar. Abraçaram-se num jardim em busca de direcções.

 






De mãos dadas atravessaram pontes  sobre Sena, trocaram sorrisos por crepes e moedas por arte de rua. Não se prenderam aos cadeados das pontes porque já estavam presos pelo coração.




 Estenderam-se nos jardins do Louvre e dividiram castanhas.

O sol punha-se atrás da roda gigante. Os pés pediam-lhe descanso.

Em acordo triplo procuraram um lugar para jantar... Dormiram depois de um banho quente.

 Era manhã, a família esperava na outra ponta da cidade.
Não se querendo perder no metro descobriram que há portugueses aqui e ali.

Entre voltas e voltas, dias perdidos entre ruas e cheios de saber deixaram-se levar pelo desafio final.

Entrar no metro, sair do metro, subir escadas e mais escadas, ver gente de todo o mundo. Subir descer, conversar, olhar para o lado, procurar no mapa. Deixar-se levar e: Sacre-Coeur lá no alto no meio de tanta gente.



O coração encheu-se de paz, imaginou histórias de há muitos anos, pensou em promessas entre cada pormenor arquitectónico. Fechou os olhos e viu-se por dentro. Fez pedidos e promessas. Voltou a abrir o olhar e correu atrás de um grupo de teatro, desceu escadas e deixou-se guiar até ao "café da Amélie".
Desceu mais um pouco até Moulin Rouge e subiu em busca de petiscos. Queijo sobre a mesa e mais um abraço que chega com um desafio de cozinha de outro lado do mundo: desafio aceite num brinde ao amor.



(P.S. pelo meio houve trabalho, muito trabalho na formação)

terça-feira, 30 de maio de 2017

voltar a Maputo

para os lugares que são casas,


 

Voltar a Moçambique é sempre uma espécie de regresso a casa. Não te sei explicar porquê a sensação de bem-estar é boa.




 Tenho voltado em trabalho, visitado amigos pelo caminho e pelas suas mãos descoberto a pouco e pouco a cidade ou melhor os lugares de estar, de encher os olhos e o estômago.





Em cada visita Maputo vai apresentando pequenas mudanças, os passeios vão sendo passeios e as casas vão ganhando cor.

Na marginal crescem prédios grandes com vista para as águas que ladeiam a cidade. A ponte que ligará as duas margens vai ganhando pilares e tabuleiro.
Maputo cresce e ganha cor. 



segunda-feira, 1 de maio de 2017

fim-de-semana em viagem

às fugas de fim-de-semana,




Ele estava lá no calendário, o fim-de-semana de Páscoa. A ideia de sair ao seu encontro vinha sendo alimentada, mas a escolha do destino não estava fácil dentro do grupo. Entre ausências e desistências tudo se acertou no último minuto: de Dakar a Toubacouta com paragem na Somone e Sally pelo caminho.

Na chegada à Somone o sol já se ia escondendo e até à hora de jantar não faltava muito. Como um dia de trabalho para trás e uma viagem desconhecida a opção foi mesmo comer um peixe grelhado na borda do mar. A mesma que serviria de cenário para o pequeno-almoço, não sem antes assistir à dança matinal de sedução dos pavões.




Barrigas forradas, malas arrumadas partimos em busca de um café expresso e de aves. A busca pelo expresso não foi bem sucedida. O mesmo não se pode dizer das aves que habitam os canais dos mangais - ao longe as mulheres atravessam o rio, com baldes de ostras na cabeça.


 


Perco-me no nome das aves: herón cendré, pelicano, ... tantos, tantos e chegamos ao babob sagrado repleto de conchas. Descemos para pedir um desejo e deixámo-nos seguir viagem pelas águas...
Nas margens gentes quotidianas a tratar das ostras ou dos afazeres dos restaurantes numa língua de areia.

De volta a terra a viagem continua em busca de almoço: Sally, um outro mundo para onde muitos fogem ao fim-de-semana.
A viagem continua, a paisagem vai perdendo a aridez para se tornar mais verde. A temperatura vai aumentando. As mangas vão enchendo a berma da estrada. A velocidade reduz-se no cruzar com manadas de vacas ou um ou outro macaco.


De olho de guia de viagem e na estrada, encontrámos a grande mesquita, mesmo à entrada de Kaolack, continuámos estrada em busca da mesquita azul, mas só encontramos a verde. No outro lado da cidade o Instituto Francês integra-se na atmosfera e depois de um refresco e dois dedos de conversa de viajante no Brasero seguimos viagem.


Salinas, vistas dos quotidianos dos habitantes, pequenos aldeamentos, verde, mais verde mais florido, estradas quase vazias, estradas quase cheias, rectas, um buraco inusitado e Toubacouta.

O hotel é dedicado aos amantes de caça e de pesca - nenhuma das nossas intenções. Assim, deixamos os corpos cansados entregues ao pôr-do-sol e a peixe grelhado.




O pequeno-almoço encheu-se de buganvílias e de pássaros. O dia encher-se-ia de descobertas de locais próximos e rio a fora chegar até Missirah para ouvir histórias sobre o grande Fromager. O guia um pouco desguiado foi-se enterrando aqui e ali no bancos de areia com um sorriso e uma expressão de quem diz "tudo se resolve". Melhor era não pensar e deixar a ida a Sipó para o dia seguinte.





Dizia-se que havia lá uma rainha com poderes místicos por, em tempos, ter ajudado uma estrangeira a dar à luz sem possuir conhecimentos para tal.





Depois da missa em Sokone e com um guia mais experiente e sabedor do rio chegámos  Sipó depois de comer ostras frescas, saber mais coisas sobre as mulheres que as colhem e sobre as aves que por ali passam.



Sipó é um lugar pequeno, daqueles em que há um professor e uma escola primária e onde uns italianos têm um restaurante. Estende-se para lá do rio com casas feitas de "cimento" de casca de ostra e de telhado de colmo ou zinco. Diz-nos o guia que o que por lá existe é obra de estrangeiro.



Entramos na casa da rainha, que acomoda uns quantos membros da família, ouvimos histórias e ela pede fotografias, partilha caju torrado e tenta vender-nos mais para a viagem. A rainha agradece a contribuição e abençoa-nos a vida nuns quantos beijos e abraços.




Era hora de almoçar e fazer pneu à estrada.
A ideia era seguir um caminho diferente cruzando o rio de barco. Seguindo conselhos, ligámos para saber se havia lugar. Uma paragem para comprar mangas e lá estávamos em Foundiougne à hora exacta de partida.

O caminho ia-se enchendo de um fim de tarde movimentado. Uma paragem e estávamos de volta a casa e à rotina dos dias.

Foi boa a Páscoa.







sábado, 1 de abril de 2017

viajar em trabalho ou o trabalho da viagem

aos viajantes em trabalho,

A ideia necessária surge com mais ou menos tempo de preparação e a viagem começa  mesmo antes de chegar ao aeroporto:

- acordar a data e os termos de referência com a parceria de trabalho, escrevê-los em duas Línguas para serem compreendidos por todos, escolher itinerários de viagem, preparar reuniões, preparar formações, imprimir papéis, telefonar aqui, telefonar ali;
- o tempo vai ficando curto, as horas esticam-se para lá do limite;
- voltar ao itinerário, perceber como chegar ao aeroporto;
- mala feita com mais ou menos pressa.

Tudo acalma naqueles minutos em que nos sentamos a imaginar o nosso avião, a ver outros que aterram, passageiros que chegam, passageiros que vão.. os olhos perdem-se por aqui, pelas páginas de um livro ou pelo écran de um computador.
O telefone toca - alguém que deseja boa viagem, alguém que pergunta por nós...

O altifalante anuncia o embarque e o espírito prepara-se para mais um momento de segurança: as malas de mão voltam a ser revistas, os corpos percorridos... a água comprada no aeroporto não entra no avião, diz esta companhia aérea...
Procurar o lugar, sentar, dois dedos de conversa numa língua ao acaso. Voltar ao trabalho quando o comandante autorizar.. não não é possível... o espaço é reduzido e o passageiro da frente reclinou o banco: computador salvo a tempo... ler um livro será a melhor opção... chega uma refeição, outra e mais outra (nos voos longos). A cada viagem uma surpresa numa caixinha de plástico ou alumínio.

 



Aterrar.

Esperar pela escala.... voltar a esperar... o voo é adiado... na agenda uma actividade marcada para o dia seguinte de manhã cedo... não, claro que vamos chegar a tempo... espera-se... mais um anúncio de adiamento... a internet é limitada... o roaming não funciona... a criatividade ajuda a avisar o atraso... ficamos mais próximos da hora da entrada.. será agora... não será quase uma hora depois... já dentro do avião percebe-se que há um problema no ar condicionado do avião: bem-vindo à sauna a bordo. O passageiro do lado começa a contar histórias... já lá vai meia hora de confusão quando finalmente levantamos voo.
Uma hora depois o comandante avisa que não há autorização de aterragem, logo vamos voltar para trás.

Já em terra ninguém sabe o que fazer connosco. Esquecemo-nos da agenda prevista para dali a umas horas. o importante é saber onde dormir, quando viajar: quase duas horas depois pouso a cabeça na almofada do hotel. Penso que me disseram para não me preocupar, que ao pequeno-almoço saberei do voo... Penso que talvez haja tempo para ve Abidjan de dia... Aviso que não sei quando chego... adormeço em pensamentos e em mensagens para longe.. O telemóvel toca, queriam saber de mim... Volto a tentar dormir.. O telefone toca: sim, percebi bem é para descer, comer e ir para o aeroporto.
Em correrias e medidas de segurança volto a ver-me no avião da noite anterior. Amanheço literalmente nas nuvens.. aterro a tempo do almoço, não está ninguém à espera no aeroporto, entre falhas de internet consigo dizer chegamos... Entre gente que espera alguém chega. E nós chegamos a tempo de lavar a cara, sentar na sala de reuniões e momentos depois partir para o almoço.
Os dias passam entre cansaço, apresentações, trocas de ideias, avaliações, discussões tudo numa miscelânea linguística.
Há sempre o pensamento de querer saber o que há para lá do muro de hotel: bem-vindos à noite de Acra, é hora de jantar.




 






Deixo-me guiar pelos colegas que chegaram antes: ruas iluminadas, com música e carros que os percorrem, meninas que se vestem de modo liberto, carro que param, que as levam.
Chegamos ao maquis: um espaço tradicional onde se come peixe ou frango grelhado com inhame frito. Uns encomendam os outros vão comprar bebidas a outro lugar. Sentamos-nos nas cadeiras frente às mesas de plástico e enquanto esperamos pelos pratos chegam as bacias com água. Lavamos as mãos que percorreram o peixe e o frango. A noite e a bebida estão na temperatura ideal.
O ritual repete-se no dia seguinte, depois de uma ida ao Mal comprar woodin e ver um pouco mais além do hotel.



O dia amanhece a caminho do aeroporto, pouco sei de Acra, apenas da ideia de que talvez fosse capaz de lá viver.

sábado, 25 de março de 2017

Harmattan

aos desertos de longe,





Os corpos levitam,
os panos voam em volta do corpo,
as mãos seguram os lenços que querem partir.
Ele sopra forte, traz poeira que invade o corpo,
que preenche espaços vazios  entre os dedos dos pés,
dizem que vem do deserto, de longe.
O Harmattan está de passagem.

sábado, 11 de fevereiro de 2017

Chupar laranja


aos vendedores de laranja,



o cheiro sente-se ao longe, no aproximar de passos empoeirados há um homem que descasca laranjas.
a pele desliza redondamente na faca. a espiral da casca repousa sobre o carrinho de mão.
a faca volta a tocar a laranja, aproxima-se do topo, desliza levemente e levanta-lhe a tampa.
a laranja vai até aos lábios em troca de uma moeda.
ele vai e volta até que as laranjas acabem.

sábado, 28 de janeiro de 2017

ao encontro de mim

para o meu eu,




o desafio andava no e-mail há algum tempo, de vez em quando ressurgia, mas a sobreposição de actividades não deixava que o aceitasses - e eu que tanto queria experimentar algo assim: ficar longe da rotina e olhar para mim e para o ano (ou os anos) que agora começa.
o desafio era fazê-lo num ciclo criativo e afastada do dia-a-dia, mas não afastada do mundo, isto é convivendo com as pessoas do local olhando para dentro de nós mesmos. complicado de entender? não tu entendias bem, tu sabias que nunca estamos isolados e tens formas de olhar para ti com o mundo à tua volta.
e no último momento o mundo organizou-se para que que pudesses participar nesse retiro criativo, com yoga e meditação.

acordaste sem o peso do despertador da semana, tomaste o pequeno-almoço e organizaste a casa antes de apanhar o barco. procuraste gente com um tapete às costas, mas depressa percebeste que o teu processo de busca interior começava ali sozinha no meio de tanta gente, a fazer algo que desafia os teus medos: andar de barco.o tempo de viagem é curto, sabes disso. registaste a paisagem, deixaste que o sol te invadisse e chegaste ao destino.

no meio da multidão uma cara conhecida acena-te para te levar até ao sítio onde vais ficar. de quarto em quarto a tua escolha é-te apresentada.ficarás sozinha num mundo verde e branco, rodeada de buganvílias cor-de-rosa - que mais poderias querer. deixaste-te ficar sozinha na varanda, inundaste-te de sol antes de te inundares com o movimento das ruas, de trocar palavras com negociantes, de preencheres o teu olhar, de abraçares as outras mulheres que tinham acabado de chegar para o fim-de-semana.



o grupo estava completo, o sol ia-se escondendo em Dakar ao ritmo das asanas. as crianças olhavam curiosas para tais movimentos do corpo, riam enquanto cada uma mantinha o equilíbrio.a noite chegou na margem de sabores e terminou numa criativa chávena de chá. a descoberta? estava lá. sim, estava lá no interior de cada uma, em cada palavra escrita ou partilhada porque nos processos criativos não pode haver obrigação nem o silêncio é um lugar de todos.no silêncio quebrado pelo chilrear das aves nascia o sol, ajustavam-se os sonhos ao acordar, estendia-se o corpo nas asanas. o sol subia do outro lado da ilha. as gentes tomavam café e começavam a rotina do dia. o pequeno-almoço de pão, doce, manteiga, café e sumo de bissap ia enchendo a mesa depois do banho. o sol enchia o pátio e as ideias fluíam do coração para o papel.


a música enchia o espaço e as folhas enchiam-se de cores, as mesmas das saias rodas, que caminharam até ao último processo criativo: pintura sobre o vidro. 
tudo parecia fácil: as latas de tinta, a tinta da china, os pincéis, um lugar inspirador, corações cheios de certeza. 


o desafio estava em saber que se deve desenhar ou escrever ao contrário porque é desse lado que o vidro fica exposto. como na vida descobrir que os traços a tinta da china não se apagam, permanecem como permanece qualquer caminho interior.
a noite chegava no cais e com ela o barco de regresso à rotina dos dias. 
e tu sabes que qualquer processo criativo e de planificação precisa do próximo passo: a implementação, a monitorização. 
é um processo em movimento: bem-vindo 2017, bem-vindo o ano do galo que hoje se celebra a Oriente.